28 de dezembro de 2010

Ficar calado também é um crime.

Acabei de ler hoje o livro ' Desonrada' , um depoimento de uma Paquistanesa, Mukhtar Mai, que foi violentamente estuprada por 4 homens. O motivo : nenhum. Pelo menos é isso que qualquer mente minimamente comprometida com os valores da liberdade individual e do bom senso poderiam pensar. O decorrer dos acontecimentos é o seguinte: o irmão mais novo de Mukhtar, que tem entre 12 e 13 anos ( na região onde vivem no Paquistão os anos de vida são contados sem uma data de aniversário específica ) é acusado de seduzir e violar sexualemente uma jovem de aproximadamente 27 anos da família Matsoi, que é a mais influente da região onde vive a família de Mukhtar ( o que significa que estas pessoas literalmente, mandam e desmandam na localidade ). Após ser levada a público para pedir perdão a família Matsoi pelo suspoto crime contra a honra que seu irmão cometeu, Mukhtar foi estuprada violentamente por 4 homens, que simplesmente não aceitaram seu pedido de perdão em nome da família, e decidiram por meio de um tribunal tribal, (que é a assembléia da jirga, que baseada em suas prórpias leis e vontades e não corresponde a nenhum órgão oficial ) que aquela mulher deveria ser humilhada e desonrada para pagar por um crime que seu irmão , como foi comprovado depois, nem ao menos cometeu.

Terminei de ler o livro em estado de choque e completamente atônita e revoltada.
Atônita pois para mim, ainda é difícil aceitar que algum ser humano, seja homem ou mulher, possa ser tratado de tal forma.
E revoltada não só com os criminosos desalmados que fizeram essa barbárie com Mukhtar, mas também com um grupo de pessoas, que existem aos montes pelo mundo, que vivem clamando por aí um discurso batido de pseudo-intelecutalismo unido com ar de superioridade de quem ' sabe do que está falando ' e assim, se julga detentor de um saber disponível para poucos, saber esse que diz mais ou menos assim:

" Ahh realmente é um absurdo o que fizeram com esta e com tantas outras mulheres, um ato terrível . É muito triste que existam pessoas que passem por tamanha violência , que coisa terrível. MAS, NÃO PODEMOS FAZER NADA, AFINAL, ESTA É A CULTURA DAQUELE POVO, ESSA É A SUA MANEIRA DE VIVER. QUEM SOMOS NÓS, OCIDENTAIS, QUE NADA ENTENDEMOS DE SUA RELIGIÃO E CULTURA E AINDA POR CIMA IREMOS DIZEÊ-LOS COMO DEVEM AGIR? NÃO PODEMOS FAZER ISSO, POIS NÃO EXISTE UMA VERDADE ABSOLUTA, APENAS PONTOS DE VISTA DIFERENTES E NÃO PODEMOS IMPOR O NOSSO À ELES. DEVEMOS RESPEITAR ESSA DIFERENÇA E ESPERAR QUE AQUELAS MULHERES, QUE VIVEM NAQUELA CULTURA, NAQUELE PAÍS, POSSAM SE REBELAR E LUTAR POR UMA MUDANÇA NAS LEIS E NO MODO DE AGIR DAQUELE POVO. "


Não me venham dizer que o certo e o errado são relativos, e que um estupro pode de alguma maneira ser aceitável. Existem sim verdades absolutas, e uma delas é que esta história é inadmissível, em qualquer cultura e em qualquer religião. Não podemos nos omitir diante de um atentado a liberdade de cada indivíduo sobre sua vida e seu corpo e mais ainda, sobre sua dignidade.
Adotar um discurso relativista como este é permitir que a honra, a dignidade e o orgulho de um ser humano lhe sejam arrancados por qualquer um que alegue possuir uma cultura diferenciada. Dessa forma, somos coniventes com todo tipo de comportamento imoral. Afinal, existe sim uma moral correta e ela deve ser respeitada , assim como todos os seres humanos.
Lutar por estas mulheres, vítimas de uma cultura semi tribal e desumana é lutar para que valores tais como : direitos iguais para todos perante a lei, liberdade individual , além de criminalização de atos violentos de diversas naturezas, sejam válidos em todo mundo.

Estupro, apedrejamento, enforcamento, assassinato e todo tipo de violência contra o indivíduo deve ser crime em qualquer parte, em qualquer religião, em qualquer cultura. Caso contrário essa cultura é errada, pois estes atos não podem ser certos em lugar algum.


NUNCA!

Um comentário:

  1. Muito bacana seu texto, concordo integralmente com o que você disse.

    Fernando

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